terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Drive

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Drive (2011)

Estreia oficial: 15 de setembro de 2011
Estreia no Brasil: 2 de março de 2012

IMDb



Com um visual que remete aos anos 80, "Drive" é um filme que possui uma violência plástica à la Tarantino, e um protagonista, o Motorista, cuja ausência de nome já denota todo o mistério que ronda o seu passado - e que já entra para a galeria dos anti-heróis solitários e calados do Cinema.

Numa introdução que já mostra o trabalho, digamos, 'noturno', do protagonista, o roteiro de Hossein Amini (baseado no livro homônimo de James Sallis) acompanha o Motorista (Ryan Gosling) naquilo que faz melhor: dirigir. Ele se dispõe a auxliar as fugas de qualquer criminoso, desde que esses ajam em um tempo pré-determinado de cinco minutos. Já seu trabalho regular envolve ser dublê em filmes, como motorista é claro; e mecânico na oficina de Shannon (Bryan Cranston). Logo, o Motorista interessa-se por sua vizinha, Irene (Carey Mulligan), uma solitária mãe cujo marido, Standard (Oscar Isaac), encontra-se na prisão. E é justamente quando ele sai, e tem que pagar uma dívida cometendo um assalto, com a ajuda do Motorista, que as coisas começam a se complicar, e o protagonista envolve-se com os gângsteres e sócios, Nino (Ron Perlman) e Bernie (Albert Brooks).

O longa dirigido pelo cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn tem seus personagens (e suas interações) como o cerne de seu desenvolvimento. Nesse sentido, a escolha do ótimo elenco foi fundamental para que todos se tornassem não só complexos, mas críveis dentro da mise-en-scène do filme. Ryan Gosling (que já é um ator excepcional e vem crescendo a cada novo trabalho), cria um sujeito calado, impassível, que não demonstra seus sentimentos. Assim, quando Irene provoca nele um sorriso (por mais tímido e discreto que este possa ser), já sabemos que ele realmente gosta e se importa com aquela mulher (e seu filho). Sua aparente calma e passividade também servem para tornar a sua capacidade para a violência como algo assustador, já que o transforma em um sujeito realmente perigoso e instável. Sem falar uma palavra além do realmente necessário, o Mortorista jamais revela nada sobre seu passado, e assim, nem Irene, nem nós, espectadores, ficamos sabendo quem realmente é aquele homem misterioso, e apenas podemos supor que ele foge de algo, ou dele mesmo, já que parece sentir-se deprimido por ter consciência da sua natureza.

Mas não é apenas Gosling que merece destaque, todo o elenco é louvável. Carey Mulligan empresta doçura e fragilidade a uma mulher que, em seu olhar, já demonstra a tristeza e decepção da sua vida, ainda que, quando está com seu filho, mostre todo o carinho e amor que sente. E fica extremamente fácil entender o porquê do Motorista baixar sua guarda e interessar-se por ela. Já Oscar Isaac consegue fugir do clichê em criar um simples antagonista, e dá ao seu Standard um peso de homem sofrido e amargurado, que até tenta se livrar da vida que levava antes de ser preso, mas se vê arrastado para ela. E, se Ron Perlman sempre é uma figura marcante (não só pelo seu tamanho gigantesco, mas também por seu rosto forte); é Bryan Cranston quem tem um maior destaque. Seu personagem, Shannon, é um mecânico frustrado, que não nega estar tirando vantagem dos conhecimentos e aptidões de seu pupilo, o Motorista; mas, ao mesmo tempo, funciona como uma espécie de mentor, ou uma figura paterna para ele; e há um momento de cumplicidade (e confrontamento) entre eles que chega a ser tocante. Mas o grande destaque é mesmo Albert Brooks, que cria um mafioso que aparenta ser bondoso e complacente, apenas para, no momento certo, mostrar sua verdadeira personalidade. Brooks, inclusive, nem ao longe, demonstra qualquer traço do comediante que é, e cria um personagem realmente violento e perigoso.

O diretor Nicolas Winding Refn merece créditos não apenas pela escalação do ótimo time de atores, mas também pela condução de sua narrativa. Alternando momentos mais intimistas, com outros extremamente violentos, e ainda outros de ação pura, Refn é tão econômico quanto seu protagonista: nada parece fora do lugar, todas as cenas parecem ter a duração e o seu tempo interno precisamente calculados. As câmeras lentas que utiliza servem tanto para suavizar um determinado evento (até torná-lo divertido), como para salientar uma emoção. Basta dizer que um dos planos mais significativos do longa traz o Motorista e Irene se olhando, sem dizer uma palavra por minutos - e nem precisa, pois apenas com a troca de olhares e sorrisos dos dois, sabemos exatamente o que está se passando na cabeça de cada um deles. Aliás, a construção do relacionamento dos dois é uma aula de Cinema: uma sequência rápida de cenas que, sem excessos sentimentais, ilustra com perfeição e agilidade o amadurecimento de um sentimento.

Contando ainda com uma estética tirada diretamente dos anos 80, assim como a excepcional trilha musical de Cliff Martinez, o longa ainda conta com uma belíssima fotografia de Newton Thomas Sigel, que trabalha com o contraste de luzes e sombras, apostando mais nessa última (num visual claramente inspirado nos antigos filmes noir), sobre o colorido intenso das cores 'oitentistas'.

Enfim, "Drive" tem a capacidade de instigar no espectador diversos sentimentos, desde afeição (e não à toa há uma criança na história) à repulsa (há cenas extremamente violentas que, por mais plásticas que possam ser, sempre impressionam). É um daqueles filmes que ou se detesta ou se venera. Mas uma coisa é certa: não há como ficar impassível a ele.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski



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