terça-feira, 1 de novembro de 2011

Em Algum Lugar Esta Noite

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Em Algum Lugar Esta Noite (Somewhere Tonight, 2011)

IMDb



"Em Algum Lugar Esta Noite", segundo longa dirigido por Michael Di Jiacomo, é uma adaptação do filme holandês "06" (1994), de Theo Van Gogh. Não assisti ao filme de Van Gogh, mas este de Di Jiacomo é de grande sensibilidade, e fala, basicamente, da procura pelo amor.

O roteiro, escrito pelo próprio Di Jiacomo, trata do relacionamento, por telefone, de Leroy/Wooly (John Turturro) e Patricia (Katherine Borowitz). Patricia deixou uma mensagem em uma disque-sexo. Wooly gostou desta mensagem e deixou outra para ela. Ela então liga para ele pela primeira vez. Naturalmente surge uma empatia entre os dois, que vão revelando reciprocamente seus segredos, problemas e decepções. E assim, nasce um relacionamento entre esses dois personagens problemáticos.

O roteiro centra-se exclusivamente em seus dois protagonistas e se baseia, quase que exclusivamente nos diálogos para desenvolver a sua narrativa. Aos poucos, através das conversas telefônicas comoventes, inusitadas ou engraçadas entre Wooly e Patricia vamos conhecendo suas complexas personalidades. Os diálogos são econômicos, dizem apenas o necessário para que se conheça aqueles personagens, mas são realmente muito bem escritos e inteligentes.

Apesar de a trama se passar quase que inteiramente fechada nos apartamentos dos protagonistas, o diretor Michael Di Jiacomo consegue manter o bom ritmo da história. E o recurso de montagem que divide a tela ao meio não só ajuda a ditar o ritmo narrativo como nos permite acompanhar as reações dos dois personagens ao mesmo tempo.

A fotografia de Thomas Kist é muito bonita, e diferenciada para os dois ambientes em que a história acontece: no apartamento de Patricia a luz estourada, que entra pelas janelas cobertas de jornais já confere um ar de fantasia que vai aumentando à medida em que a história se desenvolve; já na casa de Wooly, há uma aparência mais realista, com luzes menos marcadas.

A excelente e detalhista direção de arte ajuda a compor as personalidades dos protagonistas pelos objetos de cena presentes. São dois ambientes compostos basicamente por peças antigas, mas muito distintas. No de Patricia, as peças mais clássicas dão um ar 'vintage'; assim como as pilhas de jornais que, logo de cara, já nos mostram que há algo de curioso com aquela personagem. Já no de Wooly, os objetos remetem tanto a uma condição financeira menor do que a dela, quanto a um gosto 'mais brega', ligado aos pais do personagem.

Mas os aspectos técnicos são apenas auxiliares nesta história, totalmente centrada nas atuações de seus atores, que estão simplesmente perfeitos. Ambos baseiam suas composições em gestos e olhares que transparecem seu jeito sofrido. Patricia é sonhadora, e imagina uma vida que jamais terá, em certo momento ela mesma diz: "fico esperando que minha vida comece"… Mas jamais começará, pois ela sofre de agarofobia, e não sai de seu apartamento há anos. Wooly é um homem sofrido, que não consegue superar os traumas de infância e juventude. Dois solitários. Ela com seus problemas 'apesar' do mundo exterior, escolhendo viver em seu universo particular de conto de fadas (como suas falas reiteram). Já ele tem problemas 'por causa' do mundo à sua volta, que lhe causou tanta dor e fez com que ele se fechasse no seu mundo particular, trocando a companhia de outras pessoas pela de seu cachorro - Incrível Helmut - e ligações para tele-sexo.

O ar de conto de fadas que citei anteriormente vai aumentando ao longo da narrativa, e chega ao seu ápice tanto no encontro marcado pelos protagonistas no Central Park, junto à estátua em bronze de "Alice no País das Maravilhas" (o plano em que Wooly é visto, com o Chapeleiro Maluco ao fundo, é belo não só pela sua composição, mas no paralelo que Michael Di Jiacomo faz de suas personalidade); quanto pela altíssima torre em que 'a princesa' (Patricia) vive enclausurada, em plena Manhattan.

Enfim, "Em Algum Lugar Esta Noite" é sim um conto de fadas. Moderno e atípico. Onde o final feliz acontece, a seu modo, para ambos os personagens, porém construído de forma melancólica e comovente.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


P.S.: Cometário escrito durante a 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


 

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