terça-feira, 21 de junho de 2011

Alta Ansiedade

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Alta Ansiedade (High Anxiety, 1977)

Estreia oficial: 25 de dezembro de 1977
IMDb



Mel Brooks é um diretor especializado em paródias de diversos gêneros cinematográficos. Em seus 50 anos de carreira, já satirizou as produções musicais em “Primavera para Hitler” (de 1968), os westerns em “Banzé no Oeste” (de 1974), os filmes de terror em “O Jovem Frankenstein” (1974), os filmes mudos em “A Última Loucura de Mel Brooks” (1976), os épicos históricos em “A História do Mundo: Parte 1” (1981), a trilogia de George Lucas, “Star Wars”, em “S.O.S - Tem um Louco Solto no Espaço” (1987), a lenda de Robin Hood em “A Louca Louca História de Robin Hood” (1993) e até o Conde Drácula em “Drácula - Morto, mas Feliz” (1995).

No filme “Alta Ansiedade” (de 1977), Brooks homenageia - ao mesmo tempo em que parodia - os filmes do ‘mestre do suspense’, Alfred Hichcock. A paródia de Brooks não apenas satiriza o teor das histórias de Hitchcok, mas também a forma de seus filmes.

“Alta Ansiedade” conta a história do psicanalista Richard H. Thorndyke (interpretado pelo próprio Mel Brooks), que acaba de assumir o cargo de diretor do ‘Instituto Psico-Neurótico para Pessoas Muito, Muito Nervosas’. Não vai tardar, entretanto, para o Dr. Thorndyke suspeitar que há algo errado acontecendo dentro do Instituto, que envolve a morte de seus ex-diretores. Assim, o protagonista é envolto em uma trama de assassinato.

Logo de cara, a temática envolvendo a psicanálise e uma história de assassinatos já nos remete ao filme de Hitchcok, “Quando Fala o Coração” (1945). Porém, as referências a este longa (e as semelhanças) param por aí, já que “Alta Ansiedade” vai trilhar sua própria história dentro deste contexto.

Com relação à sátira direta de cenas dos filmes do ‘mestre do suspense’, pode-se citar a sequência em que o Dr. Thorndyke chega no aeroporto e é recepcionado pelo seu motorista e assistente, Brophy (Ron Carey), que tira várias fotos suas em sequência, em uma alusão à cena em que vários flashes são disparados contra o assassino de “Janela Indiscreta” (1954).

Há ainda a cena que revela o medo que o Dr. Thorndyke sente de altura, mesmo sentimento do personagem de James Stewart em “Um Corpo que Cai” (1958). A inspiração é clara.

Do mesmo filme de Hitchcock, Mel Brooks parodia a sequência do campanário, de onde a personagem de Kim Novak é jogada. Aqui, os planos da escadaria que levam ao alto da torre são praticamente idênticos.

Claro que Mel Brooks não poderia deixar passar impunes talvez aquelas que são as duas sequências mais famosas dentre os filmes de Alfred Hitchcock. A primeira diz respeito ao longa “Os Pássaros” (1963), quando Melanie (Tipp Hedren) espera pela irmã de seu namorado do lado de fora de um colégio, em frente a um ‘trepa-trepa’, o qual vai sendo tomado por corvos. Em “Alta Ansiedade”, o Dr. Thorndyke está em um parque, também em frente a um ‘trepa-trepa’, que, por sua vez, é tomado por pombos.

Já a segunda, é a famosa cena do assassinato no chuveiro, de “Psicose” (1960), onde Marion (Janet Leigh) é morta à facadas enquanto toma seu banho. Mel Brooks faz a paródia usando-se basicamente dos mesmos enquadramentos, mas substitui a faca por um jornal enrolado, fazendo humor sobre a cena.

Nessas sequências pode-se notar que, além de referenciar o conteúdo, Mel Brooks também utiliza-se de enquadramentos semelhantes àqueles criados por Hitchcock. E faz isso durante todo o longa. Ele também faz uso de planos que eram bastante utilizados por Hitchcock, como closes bem fechados e planos detalhes de mãos e pés.

Porém, o humor de Brooks não se restringe à produzir paródias dessas cenas consagradas, ele vai além e também brinca com a estrutura do próprio filme. Na maioria da sua narrativa, o roteirista/diretor faz uso de uma estrutura clássica, que se caracteriza, entre outras coisas, por uma decupagem que proporciona um ilusionismo afim de que o espectador sinta identificação com a história contada. Segundo Ismail Xavier, o naturalismo ou realismo no cinema não se vincula à nenhum movimento literário de mesmo nome, mas à “construção de espaço cujo esforço se dá na direção de uma reprodução fiel das aparências imediatas do mundo físico, e à interpretação dos atores que busca uma reprodução fiel do comportamento humano, através de movimentos e reações ‘naturais’”.

Mas, se Mel Brooks utiliza-se desta narrativa clássica para criar identificação do público com a sua história e seus personagens, também sabe como desconstrui-la. Em algumas cenas, o diretor chama a atenção para os elementos que constituem a produção do próprio filme, como a trilha sonora e a presença física da câmera (mesmo sem mostrá-la diretamente).

Essa metalinguagem pode ser verificada na cena em que o Dr. Thorndyke e seu motorista estão se dirigindo para o Instituto, conversando a respeito da morte inesperada do diretor anterior. Neste momento, uma trilha sonora de suspense começa a tocar. Tal trilha não é só ouvida pelos espectadores (extra-diegética), mas também pelos próprios personagens, que olham ao seu redor, procurando uma explicação para a música. É quando aparece um ônibus, com a Orquestra Sinfônica de Los Angeles tocando, e ultrapassa o carro dos personagens. Assim, a música ouvida pelos personagens é explicada diegeticamente, ou seja, a fonte da música é mostrada de maneira a fazer parte integrante da história.

Outro momento em que essa ruptura da narrativa acontece é quando os médicos do Instituto estão jantando, e a cena começa com um enquadramento de fora do prédio, mostrando, através de uma janela de vidro, todos sentados à mesa. Então, a câmera começa a se aproximar. Aproxima-se tanto, que acaba quebrando o vidro. Neste momento, todos os personagens param o que estavam fazendo e voltam-se para a câmera, olhando para ela (e para o público), quebrando assim, o que se chama de “quarta parede” - que seria a parede imaginária que se coloca entre a ficção e a plateia, e através da qual tal plateia assiste a tudo de forma passiva, aceitando o que vê como um evento real.

O mesmo acontece na cena final, quando a câmera afasta-se da ação, que se passa dentro de um quarto de hotel, e acaba quebrando (agora, fisicamente) a parede no seu recuo. Neste momento, os personagens olham para câmera, chamando a atenção do espectador para ela. Ao mesmo tempo, duas vozes em off aparecem conversando (como se fossem os membros da equipe do filme responsáveis pelo ‘estrago’: diretor de fotografia e diretor), o primeiro pergunta o que farão agora, com a parede quebrada, ao que o segundo responde: “... continua recuando que pode ser que ninguém note”.

Claro que se pode interpretar tal diálogo como simples ferramenta cômica. Mas por outro lado, pode-se aferir-lhe um significado metalinguístico e de ruptura, como que chamando a atenção para que o espectador comece a enxergar para além daquilo que é mostrado pela câmera, para que veja as produções cinematográficas com um olhar mais crítico, com certo distanciamento, sabendo que o que está sendo mostrado não é uma realidade (nem “a” realidade), mas apenas uma peça artística destinada, principalmente, ao entretenimento.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


P.S: Resenha apresentada em junho de 2011 para a disciplina de História do Cinema, no curso de Especialização em Cinema da Universidade Tuiuti do Paraná.


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